LUÍS FILIPE SARMENTO
5
A imagem do indivíduo cosmopolita na hipermodernidade do
século XXI tem um preço tão elevado que o resultado do seu cálculo é
inimaginável. A recauchutagem da beleza e o exercício físico levado ao excesso
olímpico, o comércio farmacêutico e a reinvenção de drogas em nome de uma falsa
saúde, a desistência do saber e o desprezo pelo conhecimento, estão a levar os
cidadãos da globalização a uma anorexia dos valores éticos e democráticos. E o
que é paradoxal é que os seus promotores, os líderes dos Estados de violência,
preconizam estas ideias e os seus efeitos em nome da famigerada segurança.
Segurança de quem? Dos Povos? Não! Segurança das elites cada vez mais restritas
e consequentemente autofágicas num exercício de profunda estupidez.
Promove-se abertamente «cada um por si». Ou seja, o
esquecimento da existência do outro. Os Direitos Humanos nunca foram tão
vilipendiados de maneira tão cruel como hoje pela gula financeira e pelo
desinteresse de tudo o que diga respeito ao vizinho. Um vizinho que já não se vê
porque não se quer ver.
A tolerância e o respeito pelo pensamento do outro são,
hoje, desprezados com sobranceria. A violência de Estado já há muito não se
manifestava como hoje. O assalto à casa das pessoas comuns é uma estratégia do
poder para esvaziar qualquer esforço de revolta, de contestação organizada por
falência vital. Os líderes europeus estão a levar conscientemente os povos à
miséria para que as suas elites vivam cada vez mais na opulência. É uma
estratégia que assassina as sociedades dos cidadãos assim como as suas culturas
e história. Em nome da globalização destrói-se a diversidade humana com a mesma
atrocidade que os criminosos de quinhentos destruíram sociedades diferentes em
nome de um deus desconhecido. O estado de ignorância repete-se, não no espaço
distante e desconhecido, mas no seu próprio território. Tudo em defesa da maior
falácia da globalização: a formatação do indivíduo a partir de formatações de
hábitos alimentares, sociais e culturais e na sua transformação em robôs numa
sociedade de autómatos. Neste sentido há que destruir todo o serviço público de
educação, de saúde, de gestão dos bens que a todos pertencem.
A hipermodernidade do luxo e da opulência tem vindo a
aniquilar a relação ética entre indivíduos. Promove-se a delação. A denúncia
falsa é moeda de acesso ao elevador social ainda que destrua famílias, grupos
sociais, culturas singulares. A corrupção financeira é patrocinada pelos
Estados ocidentais, ditos democráticos, para que a Democracia deixe de ser uma
realidade conquistada e passe à história como veículo dirigido por mãos
criminosas ao serviço de déspotas sem rosto, desumanizados pela macilência do
dinheiro e que institua a cleptocracia firmada em leis que levam os cidadãos ao
cadafalso.
A ética deu lugar à catástrofe, foi apagada do mapa social,
fomentando o egoísmo e a hipocrisia como ferramenta do «salve-se quem puder». O
desenvolvimento tecnocientífico, que deveria estar ao serviço do bem-estar,
está a ser aproveitado pelos poderes para desregular a deontologia social e
económica. O estado actual dos Estados está a provocar o desmoronamento de
todos os valores éticos. Há uma liturgia da proibição ao acesso aos bens
vitais, privatiza-se a água e a terra, queima-se o ar com o fogo destruidor da
avareza.
Dilacera-se o bem-estar, mas exalta-se o prazer do mal,
proclama-se a moderação mas pratica-se o excesso como imagem de marca de quem
já pertence à elite do saque.
Hoje, os poderes e as instituições europeias não
democráticas lançam regras e leis que lhes permite conquistar o terreno do
bem-estar que pertence aos cidadãos que edificam nações e o seu espaço
histórico, político, social, cultural e económico. A Europa do protofascismo
hipermoderno não quer cidadãos, mas sim escravos controlados por chips para que
sejam apenas máquinas produtivas a baixo custo. Serviram-se da ingenuidade
democrática e instalaram a ditadura da fome, da perda, do lixo, da morte
antecipada.
O hedonismo do poder coincide com a tristeza profunda que
paralisa a acção renovadora do cidadão.
A história, no entanto, tem exemplos inspiradores que devem
ser hoje resgatados em nome da sobrevivência dos povos. A bem da cidadania
criadora de bem-estar.
Sem comentários:
Enviar um comentário